VEJA SÃO PAULO

Perfil

ENTRE A ARTE E OS TIJOLOS

O arquiteto mais badalado da cidade, que detesta o
luxo ostentatório e adora a ousadia, a simplicidade e o requinte,
é um apaixonado por cinema, música, casas de passarinho,
torresmo, cachaça e discos voadores

Texto de Maria Rita Alonso

Vamos dar uma volta pelos Jardins. Aquele prédio de 23 andares e fachada de tijolos ingleses, com um clássico relógio no topo, todo mundo conhece. É o Hotel Fasano. Logo adiante, no meio das cintilantes vitrines das grifes internacionais, há uma loja com paredão amarelo de quase 10 metros de altura e um corredor de entrada escuro que destoa da vizinhança. Trata-se da Clube Chocolate, novo ponto de encontro das vítimas da moda. Alguns passos mais e lá está a loja da Forum, construída com as mesmas linhas retas, amplos espaços e materiais inusitados — taipa, por exemplo. Lugares como esses, que ajudam a compor a face cosmopolita da cidade, nada têm de luxo ostentatório, de brilhos ou de novo-riquismo. Entretanto, é tudo chique, de bom gosto, sofisticado, contemporâneo. Exatamente como o arquiteto que os projetou. Em pulôveres de cashmere inglês e roupas escuras que não chamam atenção mas são de primeira qualidade e caríssimas, o paulistano Isay Weinfeld cultiva um estilo ao mesmo tempo simples e requintado, assim como adora comer torresmo (em botecos escondidos do bairro carioca da Lapa) e beber cachaça (cachaça artesanal de diminuta produção, bem entendido, e que custa até 250 reais a garrafa).
Agora, ele vai montar o cenário da 26ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo, que será aberta ao público no próximo dia 26 e terá a participação de 135 artistas de 62 países. Isay assumiu a tarefa gigantesca de acomodar suas pinturas, fotografias, esculturas, vídeos e instalações nos três andares do Pavilhão da Bienal. “Meu objetivo na exposição é desaparecer, fazer com que ninguém repare que eu estive ali, porque o que interessa são as obras”, diz ele, que, ao assumir a tarefa, se viu novamente sob os holofotes. Garante que não gosta. Atrás da discrição, porém, esconde-se um homem vaidoso. Tem motivos para isso. Isay Weinfeld, 52 anos, é um senhor arquiteto, e cada vez mais suas criações espalham-se pela metrópole e provocam admiração. “Seu trabalho reflete uma pessoa que tem cultura e adora comer, viajar, ouvir música e curtir a vida”, diz o restaurateur Rogério Fasano, seu amigo e cliente. Os dois se conhecem bem. Foram oito anos de convívio e oito viagens ao exterior em busca de mobiliário e objetos para compor o hotel da família. Com tapetes iranianos e poltronas francesas de couro espalhados pelo lobby, o lugar tornou-se ponto de encontro de gente poderosa e famosa.
Lá funcionam o Baretto, o bar mais elegante de São Paulo, com chão de peroba rústica e paredes forradas de veludo cotelê, e o restaurante Fasano, cujas instalações são tão sofisticadas quanto o cardápio e a adega. “Aos 14 anos, um professor de português me ensinou que o mais importante em um texto é o começo, para agarrar o leitor, e o final, pois a última impressão é a que fica”, conta Isay. “Isso mudou minha vida e minha arquitetura.” O que ele busca em cada projeto é uma impactante porta de entrada. Deixou essa marca tanto no Fasano quanto na boate Disco, na Vila Olímpia, onde na chegada o visitante depara com um túnel de pastilhas coloridas e pontos luminosos de fibra óptica. A história se repete na porta “Abre-te, Sésamo” da Clube Chocolate, na Rua Oscar Freire. Ao cruzá-la, depois de um corredor escuro, o que se vê são palmeiras, areia de praia e feixes de luz natural refletidos na parede de mosaico português branco.
“Isay é curiosíssimo e sabe tudo que rola de novo na música, no cinema, na moda e nas artes plásticas”, afirma o diretor de arte carioca Giovanni Bianco, responsável pelo último show de Madonna. Reconhecido pela imprensa especializada, o arquiteto vira e mexe é procurado por jornalistas estrangeiros. Em sua mesa de reuniões há 35 revistas estrangeiras de arquitetura e decoração com reportagens sobre ele. As páginas em que aparece estão marcadas com post-it amarelo. “Um fotógrafo alemão, em êxtase com a arquitetura do Isay, agarrou-se ao pilar e disse que não queria ir embora da minha casa nunca mais”, revela uma moradora do Alto de Pinheiros, que, como a maioria de seus clientes, evita aparecer.
Sua assinatura em um projeto vale ouro. Pode ser até de graça para um amigo ou pode custar mais de 50 000 reais. “Para ele, o mais importante é a estética, não os custos”, diz um cliente. “Meus projetos são como alta-costura: têm a cara de quem os encomenda”, afirma Isay, que escolhe para quem trabalha. “Não é o dinheiro que me move.” Em rodas de milionários paulistanos, ganhou fama de esnobe depois de dizer não para meia dúzia deles. Para aceitar uma encomenda, precisa ter com o cliente o que chama de afinidade estética. “Ele é difícil: de cara não aceitou o trabalho, mas depois pensou melhor e topou”, diz a jornalista e atriz Marília Gabriela, que comprou o apartamento que ficava em cima do seu, nos Jardins, para demolir a laje e transformá-los num megadúplex. Gabi e Isay tiveram um ano de obras e problemas, mas tudo terminou bem. Com a prefeita Marta Suplicy, entendeu-se melhor. Restaurou seu gabinete no edifício Banespinha, embora não seja petista, e cobrou — só não diz quanto.
Um de seus xodós atuais é uma casa que chama de naturalista e que ele projetou nos Jardins, com um corredor de pedras que parecem flutuar em um espelho-d’água, assoalho rústico e mobiliário eclético acumulado pela família por décadas. Isay acha que a obra ajuda a derrubar um dos rótulos que lhe colaram — o de arquiteto minimalista. Há outro, que ele igualmente odeia — o de arquiteto da moda. Acha sem cabimento que o comparem a Oscar Niemeyer, de quem está longe de ser um admirador. “Arquitetura não é escultura”, costuma dizer. Mas quem comparou os dois? O The New York Times, o mais influente jornal americano, em uma reportagem de uma página e meia sobre ele. Suas admirações profissionais são o japonês Yoshio Taniguchi, que reformou o Museu de Arte Moderna de Nova York, a italiana Lina Bo Bardi, autora do projeto do Masp, e o paulistano Marcio Kogan, com quem realizou inúmeras parcerias. Eles nunca foram sócios, mas já expuseram trabalhos com divertidas críticas urbanísticas. Um deles é um complexo viário que ligaria a Avenida 23 de Maio com ela mesma e outro é o Arco do Triunfo Viário. A dupla ainda fez cinema. Juntos, escreveram e dirigiram catorze curtas e um longa: Fogo e Paixão, de 1988, com Fernanda Montenegro e Giulia Gam no elenco.
“Isay manifesta-se em diferentes áreas com a mesma irreverência e sempre imerso em muito humor”, diz o cineasta Hector Babenco, para quem Isay planejou a casa e o escritório. Filho de um imigrante polonês que chegou ao Bom Retiro, trabalhou como mascate e conseguiu ser dono de uma indústria têxtil, Isay foi educado no Colégio Rio Branco e cursou a faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie. Separado, há 25 anos mora no mesmo apartamento, em Higienópolis, com sua filha, uma atriz de 22, para quem costuma preparar o jantar. A culinária é apenas uma de suas várias paixões. Ele se interessa por ufologia, acredita em discos voadores e faz coleção de casas de passarinhos. Uma vez por semana, encerra o expediente do escritório no meio da tarde e vai estudar música. Sabe tocar violino e está aprendendo piano. Curte música erudita moderna, o jazz cool da veterana cantora Blossom Dearie, que ele considera um João Gilberto de saias, e especialmente o rock melancólico do Radiohead. Em viagens de dois dias, foi uma vez a Nova York e outra a Londres só para ver shows de sua banda favorita. Aos 18 anos, teve o mesmo impulso. Depois de se encantar com o filme Morangos Silvestres (1957), do sueco Ingmar Bergman, pediu dinheiro ao pai e foi conhecer Estocolmo. “Tinha assistido tantas vezes que levei um susto quando cheguei lá”, lembra Isay. “Achei que o país, como a fita, fosse em preto-e-branco.”

Isay Weinfeld Isay Weinfeld